segunda-feira, 14 de maio de 2012

A caminho de casa


Parada num semáforo, olho em volta e reparo que apenas eu estou inerte, o Mundo todo gira e continuará a girar independentemente do sinal vermelho que atrasa a minha marcha.
Vejo ao longe uma mãe e uma filha pequena que vem, como que arrastada, fazendo uma birra tremenda ouvida, pelo menos, nos 2 quarteirões à volta. Penso que terá sido obrigada a fazer qualquer coisa que não queria, ou então queria ter algo que não pode. Assim estou eu, quero avançar e quero ter o poder de escolher o caminho que vou seguir neste cruzamento. Mas não posso, o sinal vermelho não me deixa.
Pára, do meu lado esquerdo, um carro. Reparo que se trata de uma viatura acabadinha de sair do stand. Vê-se pela forma como brilha e pelo orgulho com que o condutor está ao volante, como quem diz “Olhem para mim… É NOVO!”. Enquanto dá uma piscadela de olho para a rapariga que atravessa a estrada, olha para o telemóvel e o seu semblante diz tudo. Más noticias, certamente. Olha para mim e eu tento desviar o olhar mas não consigo pois os seus olhos gritam “Ajuda-me” como se quisesse que alguém resolvesse todos os seus problemas (sejam eles quais forem) ali, naquele momento, naquele sinal vermelho. Agora a sua “bomba” não faz sentido. Mas, o sinal vermelho não o deixa avançar. Tal como eu. Estamos presos.
Enquanto continuo a ouvir os gritos da criança que acabou de passar por mim, lembro-me que não fiz o Euromilhões e tenho a certeza que “HOJE É O DIA”, tal como tenho de todas as vezes que o faço. Só assim vale a pena continuar a apostar neste jogo de probabilidades que nos faz sentir milionários todas as semanas no exacto momento antes da voz da Marisa Cruz começar a ditar os números vencedores. Aí, os sonhos desvanecem-se e a nossa casa de praia deixa de ter portas e janelas, passando a ser uma pequena cabana. É aí que, mais uma vez, adio a viagem que quero tanto fazer.
E o sinal não muda. Estará avariado ou será uma força sobrenatural que faz com que eu esteja assim, presa nos meus pensamentos?
Enquanto penso em tudo e mais alguma coisa, mais na lista de coisas que ainda tenho que comprar no supermercado, e na roupa que tenho para lavar e no que tenho para arrumar, o meu olhar cruza-se com o de dois adolescentes a caminho da escola. Mochila às costas e de mão dada. “De certeza que namoram há pouco tempo”, penso eu. Pela maneira como as suas mãos se entrelaçavam era uma história bem recente, ainda estavam na fase do “não acredito” e do “não consigo ser, sem estar ao pé de ti”. Não deixo de me enternecer e pensar no meu amor que me espera em casa. Sorrio. Mas continuo ali presa.
Volto a olhar para o meu companheiro de viagem e reparo que ele já não está lá. Arrancou. Foi à vida dele. E eu continuei ali, parada. Tudo o resto continuou a mover-se. Só eu fiquei parada.
O sinal está verde. Arranquei.   

3 comentários:

  1. Olha uma Duarta :):) Primeiro minha cara deixa-me dizer-te que deves andar sempre em frente, sim para nos vermelhos, mas repara que até a Marisa Cruz andou em frente e não, já não é ela que diz os numeros do Euromilhões:) é outra boazona.
    É bom quando nos perdemos em pensamentos não podemos é deixar que eles nos façam perder... de rumo!

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  2. Minha querida Sarinha
    Todos sabemos que não é um sinal vermelho que nos faz parar (muito menos a ti!)mas serve para pensar na nossa vida, olhar à roda para ver o mundo ali tão perto e ganhar coragem para seguir em frente ou mesmo, de repente, percebermos que queremos (devemos) mudar de direcção (já que o nosso sentido é sempre para a frente)
    Como sempre enterneço-me e comovo-me com o que escreves. Obrigado e muitos beijos do pai

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  3. Gostei do texto! Muito bem escrito!
    Por vezes temos que ficar um pouco em stand-by, mas o caminho é sempre para a frente! ;)

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