As férias chegaram e, mais uma vez, a Matilde tinha pensado
em imensas coisas que gostava de fazer durante esse tempo livre (que lhe
parecia uma eternidade): tinha pensado em ir à Lua, ou viajar no tempo como
tinha visto uma vez num filme; tinha pensado em fazer um safari em África e
talvez descobrir uma nova espécie de animal (um cruzamento entre uma zebra e um
hipopótamo era capaz de ser engraçado!) – até já tinha um nome para ele e tudo:
Zipótamo. Pensou ainda ir acampar com as fadas que costumavam guardar o seu
sono todos os dias. Pensava que seria muito giro ir com elas tomar conta do
sono de outros meninos e, se elas deixassem, até podia ser que pudesse
espreitar os sonhos de alguns… Tanta coisa que a Matilde tinha na cabeça que,
para ela, o maior problema era decidir-se por onde começar.
Ao acordar, no primeiríssimo dia de férias, resolveu
perguntar à mãe se podia ir passar uns dias a casa dos avós. Ela sabia que lá
iria conseguir cumprir “quase todos” os seus desejos. Quase todos, pois não
tinha a certeza de as fadas a acompanharem nessa viagem. “De certeza que eles
também têm fadas que lhes guardam o sono… Assim, até faço novas amigas e tudo!”,
pensou baixinho não fosse a mãe perceber os seus planos.
Uns telefonemas depois e lá estava ela de malas aviadas para
uma semana repleta de aventuras com os seus fiéis companheiros de galhofa: o
avô e a avó.
***
A Matilde era, desde que nasceu, uma aventureira. “Nisso ela
não sai a mim”, dizia o pai, de cada vez que falava sobre o assunto com os amigos
ou familiares. A mãe fazia um sorriso maroto. Também ela tinha o seu Mundo
Encantado povoado de sonhos e figuras engraçadas quando era mais pequena.
- Ó mãe, tu também “vês” o que eu vejo, não vês?
- Vejo o quê, Matilde?, respondia a mãe atrapalhada.
- As fadas… Os zipótamos… os…
- Os zi… quê? Do que é que estás a falar?
- Ohh tu estás a disfarçar. Eu bem sei que tu vês, ou já
viste, o que eu vejo por isso…
E lá ia ela, com o seu nariz empinado, brincar de faz de
conta mais um bocadinho.
***
Estas férias eram diferentes. A
Matilde ia para a escola no ano a seguir. Sentia-se importante pois ia para a “escola
dos grandes” mas muito ansiosa sobre o que esta nova etapa lhe reservava.
Mal chegou a casa dos avós foi
logo sentar-se no sofá à espera que a avó lhe perguntasse por novidades ou o
que queria fazer. E assim foi:
- Então, que te apetece fazer
hoje?
- Avó, temos que falar, disse com
ar preocupado. Eu acho que a mãe já não VÊ aquilo que nós as duas VEMOS.
- Estás a falar do quê Matilde?,
perguntou a avó pensando que a mãe teria algum problema que não lhe tivesse
contado.
- Temos que arranjar maneira de
ela VOLTAR A VER, continuou apoiando o queixo na mão. TEM QUE SER AVÓ!!! É
MUITO IMPORTANTE!!!
Enquanto levantava a avó do sofá
e a empurrava em direção ao jardim para lhe mostrar aquilo que estava a falar,
Matilde não se calava:
- ISTO. É disto que estou a
falar: as fadas, os zipótamos, os habitantes da Lua, os… Tudo, avó! Ela já não OS
vê… - disse sentando-se, desolada, na soleira da porta.
Com ar enternecido, a avó
sentou-se na cadeira de baloiço e puxou-a para o seu colo.
- Sabes, meu amor, eu tenho a
certeza que ela os vê. A todos. Só que quando as pessoas crescem nem sempre
podem ir para “esses lugares” ou falar com todos “esses amigos” que tu tens.
Quando crescemos, há outras coisas em que temos que pensar, outras coisas que
temos que fazer e quase nunca temos tempo para sonhar.
- Mas avó… tu e o avô… vocês…
- Nós somos avós. E os avós vêm
tudo. Tal como te mostrei esse Mundo a ti, também o mostrei à tua mãe. Também
viajámos muito e tivemos aventuras E-S-P-E-C-T-A-C-U-L-A-R-E-S!
Nessa altura o avô, que estava a
ler o jornal, pousou-o em cima da mesa e fazendo sinal para que ela se
aproximasse disse-lhe assim:
- Lembro-me que uma vez
encontramos, aqui mesmo neste jardim, um bezigório. Sabes o que é?
Matilde disse que não com a cabeça
e abriu os olhos como que pedindo que o avô não a deixasse muito tempo na
ignorância. O avô, que era muito malandro, piscou o olho à avó e continuou:
- Um bezigório, Matilde, é uma
espécie de duende. Lembro-me perfeitamente como se fosse hoje, disse
recostando-se na cadeira. Ele estava ali debaixo daquela árvore, disse
apontando para uma árvore gigantesca que estava há anos no quintal por detrás
da casa. Eu acho que ele se mudou há uns tempos. Disse que ia procurar novas
aventuras e partiu. Nunca mais o vi…
O sorriso e a ruga na testa eram
denunciadores de que estava a divertir-se ao inventar a história. Mas, Matilde
nem reparou e perguntou:
- Mas, o que aconteceu nesse dia?
- Então, a tua mãe viu o
bezidróglio…
- Bezigório avô, bezigório –
corrigiu a Matilde
- Pois, isso. O bezigório estava
nos seus afazeres como todos os dias: limpar a casa, tratar da horta… Quando a
tua mãe reparou nele. Ela devia ter mais ou menos a tua idade e era também tão
curiosa como tu. Pôs-se de cócoras e espreitou por entre as janelas brancas pequeninas
da casa do Zibum (era o nome dele). “Pum catrapum, porque espreitas para a casa
do Zibum?”, disse ele muito zangado. A tua mãe ficou muito aflita e apressou-se
a pedir desculpa dizendo que estava apenas com curiosidade de saber quem vivia
naquela casa tão pequenina que mais parecia uma casa de bonecas. “A casa é pequenina
mas não é para ti menina!”
- Ele falava sempre a rimar avô?,
Perguntou a Matilde divertida.
- Claro. Os bezinózios…
- Os bezigórios, avô. Estás
sempre a “desquecer-te” do nome…
- Pois, os bezigórios, têm essa
particularidade: falam a rimar e estão sempre a dançar… Bom, mas depois de ele
ter explicado que era uma grande falta de educação e depois da tua mãe pedir
desculpa, eles lá fizeram as pazes e até ficaram amigos. Todos os dias daquelas
férias ela acordava bem cedinho para o ajudar a tratar da horta e ficavam horas
a falar. Um dia, ela até levou uma mobília de uns bonecos para que ele pudesse
colocar na sua casinha de brincar. Falavam e falavam. Tomavam chá e comiam
scones todas as tardes. Era uma maluqueira.
- Imagino – Disse ela com ar
pensativo
- Um dia, ele deu-lhe um
presente. Era uma pedrinha. “Quando estiveres com medo, ou quando precisares de
ajuda para alguma coisa, pegas na pedrinha e dizes: Pum Catrapum ajuda-me
Zibum. E eu, apareço!”. Bem, não sei se funcionava a sério ou não mas durante
muito tempo eu vi a tua mãe com essa pedra no bolso. Quando tinha que fazer os
trabalhos de casa punha sempre a pedra em cima da mesa, quando tinha que tomar
decisões levava a mão ao bolso, no dia em que conheceu o teu pai tinha essa
pedra com ela e quando soube que tu ias nascer …
- O que foi avô? O que foi que
ela fez?
- Ela jogou a mão ao bolso e não
encontrou a pedra. Procurou, procurou mas a única coisa que acabou por
encontrar foi um bilhete do Zibum.
- O que dizia o bilhete? Diz-me…
DIZ-ME avô.
- Calma. O bilhete dizia: “A
sorte não está na pedra, por isso deixei-a ir, a maior prenda nasce agora, e
ela te fará sorrir”. A partir desse dia a tua mãe não falou mais no bezigório,
não procurou mais a pedra, nem sequer falava sozinha. Ela descobriu que o maior
presente, o maior tesouro, estava bem à sua frente. Por isso minha querida
Matilde, a tua mãe não deixou de OS ver… A tua mãe agora não precisa de OS ver
porque tu OS vês por ela e é através de ti que ela sonha… Tu és… Tu és…
- Eu sou o bezigório dela… -
disse a Matilde sorrindo.
- É isso… É isso mesmo.